CRETA - Prefeitura de Florianópolis repassou o valor a entidade que, segundo o MP, nunca atendeu jovens para tratamento (Diário Catarinense - 04/04/2011)

Diário Catarinense - Segunda - 4 de abril de 2011 - N° 9129

ASSISTÊNCIA SOCIAL
Quase R$ 1 milhão para nada
Nos últimos cinco anos, prefeitura repassou o valor a entidade que, segundo o MP, nunca atendeu jovens para tratamento



Francis Silvy

Centro de Recuperação de
Toxicômanos e Alcoolistas (Creta)

Quase R$ 1 milhão. Esse foi o valor repassado pela prefeitura de Florianópolis nos últimos cinco anos para uma instituição prestar atendimento a jovens em situação de risco. Mas o prédio destinado a uma república assistida, pertencente ao Centro de Recuperação de Toxicômanos e Alcoolistas (Creta), está vazio. O valor, de acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, seria suficiente para construir uma creche e mantê-la com cem crianças por um ano. A reportagem sobre o caso foi exibida ontem pelo Estúdio SC, da RBS TV.

Conforme o convênio assinado com a prefeitura em 2005, a instituição deveria atender jovens de 12 a 18 anos que passam por tratamento contra a dependência de drogas. Eles seriam encaminhados ao local como forma de ressocialização antes de retornarem para casa, logo após a liberação nas chamadas fazendas terapêuticas – onde passam por um período de desintoxicação. O atendimento deveria ser feito por uma equipe de 12 profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e médicos.

Thiago Carriço de Oliveira
Em visita ao local, o Ministério Público Estadual não encontrou sinal algum de atendimento. Os quartos estavam vazios com as camas praticamente desmontadas e sem colchão. No guarda-roupas, travesseiros e lençóis ainda na embalagem. Para o promotor de Justiça da Infância, Thiago Carriço de Oliveira, o mais estranho é como uma entidade ficou tanto tempo vazia, enquanto vários jovens não tinham para onde ir ao dar entrada na Casa de Passagem – o primeiro local para onde são levados antes de serem transferidos a um dos abrigos conveniados com o município.

– Não foi constatada a existência de nada naquele local. Não havia adolescente, não havia médico, não havia assistente social, não havia cama para aquele número de adolescentes do convênio – explica o promotor.

Há indícios de que documentos teriam sido falsificados para atestar a presença de adolescentes na instituição. O MP requisitou à Secretaria de Assistência Social uma relação dos jovens que teriam sido atendidos pelo local em seus cinco anos de funcionamento. Foi entregue uma lista com apenas 54 nomes. Segundo o promotor, desse total, 16 já eram adultos na época do ingresso, o que conflita com a proposta do projeto. Dos 38 restantes, 24 teriam sido atendidos em 2010. Porém, a funcionária do local confessa ao promotor que, durante todo o ano de 2010, nenhum adolescente teria sido encaminhado. A suspeita do MP é de que a lista contenha informações falsas.

A pedido do MP, o convênio foi encerrado em janeiro. A investigação do órgão continua para descobrir o destino do dinheiro. Há suspeita de improbidade administrativa e peculato, já que poderia haver aplicação indevida de verba pública.

– É importante observar o que diz o convênio com a prefeitura. E o objetivo dele é receber adolescentes egressos de comunidade terapêuticas. A entidade terapêutica tem um fim e a república assistida tem outro – diz o procurador.

CONVERSA

O Ministério Público visitou o local duas vezes: em novembro de 2010 e no mês passado. Em ambas, só encontrou duas funcionárias cuidando do espaço. A conversa abaixo foi gravada pelo promotor de Justiça da Infância, Thiago Carriço de Oliveira:

Promotor – Não tem monitor, não tem funcionário?
Funcionária – Não.
Promotor – Aqueles lençóis no guarda-roupas nunca foram usados?
Funcionária – Hum hum (não).
Jonas Pires
Promotor – Quanto tempo faz que vocês não vão ao segundo andar? (O promotor pede para conhecer, mas a funcionária nem encontra a chave da porta)
Funcionária – Prefiro não responder.
CONTRAPONTOS

O que diz o presidente Jonas Pires, responsável por todo o Centro de Recuperação de Toxicômanos e Alcoolistas (Creta)
“Havia uma dificuldade muito grande dos meninos ficarem no local por causa das recaídas. Então, toda essa demanda que deveria estar ali está, sim, dentro das fazendas de tratamento que pertencem ao nosso centro. Esses jovens terminam o tratamento ali e não querem mais ir embora, deixar de receber esta ajuda porque ficam sem direção, sentem-se ociosos. E eu não posso colocá-los em área de risco e ali é uma área de risco.”

O que diz a chefe do setor de convênios da Secretaria Municipal de Assistência Social, Joana Melo de Oliveira
“Se existe alguma informação falsa, é preciso conferir com o próprio projeto. Até que se prove o contrário, todas as informações do convênio são fiéis à realidade.”


Joana Melo de Oliveira

OS VALORES REPASSADOS PELA PREFEITURA

2005 (a partir de agosto) = R$ 65.240,00
2006 = R$ 164.481,60
2007 = R$ 169.104,00
2008 = R$ 177.825,60
2009 = R$ 204.499,20
2010 = R$ 212.904,00